segunda-feira, 20 de junho de 2011

SAI OU NÃO SAI DO PAPEL, O CÓDIGO FLORESTAL?

Código Florestal: Aldo Rebelo e a visão míope do desenvolvimento e do agronegócio
por Erika Guimarães*
O artigo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na edição de 14 de junho da Folha de São Paulo é a revelação da manipulação de informações e da sua obtusa visão de desenvolvimento sob um mal estruturado discurso defensor da produção agropecuária brasileira.

O debate sobre a revisão do Código Florestal é polêmico desde sua concepção, uma vez que envolve temas muito sensíveis como a produção de alimentos, o crescimento econômico e a conservação do nosso patrimônio natural. Mas não é possível ignorar dados concretos. Existem inúmeras evidências de que o gargalo para o aumento da produção no Brasil não é a expansão das áreas de produção, como defende o deputado em seu texto.

Atualmente o Brasil dispõe de 200 milhões de hectares para a produção de 200 milhões de cabeças de gado, com a altíssima média de um boi por hectare. Só para a soja, utilizamos hoje mais de 20 milhões de hectares. É importante a sociedade ter em mente que mais de 80% de toda a área plantada hoje no Brasil é destinada à produção de commodities, em especial carne bovina, milho e soja, que vão virar farelo para alimentar frangos e suínos nos Estados Unidos, China e Europa.

Como conseqüência, menos de 20% de tudo o que se planta no Brasil são alimentos, como mandioca, batata, hortaliças, frutas, e outros cultivos, que na sua maioria provém da agricultura familiar ou da pequena agricultura. Daí, vem a pergunta: as alterações o Código Florestal vão favorecer aos pequenos agricultores e a produção de alimentos? Os números me mostram que esse argumento não se sustenta. Afinal, a quem essas mudanças na alteração ao Código vão servir? Até que ponto elas vão ajudar a promover o desenvolvimento do nosso país?

O agronegócio, a meu ver o principal beneficiário dessa proposta, certamente tem um papel importante para o crescimento econômico do país e promove um impacto determinante na balança comercial brasileira. Porém, um olhar mais agudo e atento vai observar que toda essa produção não é isenta de impactos socioambientais. Um exemplo é a pequena oferta de emprego e a fragilidade das condições de trabalho relacionadas a muitas dessas atividades. A pecuária, por exemplo, é a atividade agropecuária que menos gera emprego: apenas um emprego a cada 500 hectares (lembra dos 200 milhões de hectares mencionados lá em cima?).

Quanto aos impactos ambientais, além da degradação e contaminação do solo – o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo! – uma questão central e que pouco tem sido discutida é a exportação da água virtual, isso é, os milhares de litros de água utilizados no processo produtivo que são exportados junto com as commodities e não são contabilizados nos custos de produção. Para se ter uma idéia, dados da UNESCO apontam que para produzir um quilo de carne são utilizados entre 14 a 16 mil litros de água. Para a soja a estimativa é de 2 mil litros de água para cada quilo produzido. Com esses números, fica fácil compreender porque no Brasil, mais de 50% de toda a água consumida tem origem na agricultura. Mais que o consumo industrial, que gira em torno de 24% e mais que o consumo urbano, que é da ordem de 22%. Com todo esse consumo, os aquíferos brasileiros começam a dar sinais de exaustão. E dentre as propostas aprovadas na revisão do Código Florestal, está exatamente a redução das Áreas de Preservação Permanente, dentre elas a redução das matas ciliares, que tem justamente a função de… proteger e “produzir” água. Não parece um tiro no pé?

Não há dúvidas de que a produção agropecuária brasileira precisa prosperar. Esse é um imperativo para todo o mundo. E o caminho que o Brasil deve escolher para fazer isso é aumentar a sua produtividade, isso é, produzir mais utilizando menos terra. Existem caminhos para isso. A Embrapa tem desenvolvido técnicas interessantes que demonstram que é possível aumentar a produtividade e o lucro, compatibilizando culturas, como no caso da integração lavoura-pecuária. Outro estudo recém pela ESALQ demonstra que produzir um pé de tomate em uma área completamente desmatada custa ao produtor R$ 5. Já o mesmo pé de tomate produzido em associação a uma floresta custa apenas R% 0,50. Como isso acontece? Simples: a presença da floresta melhora a qualidade do solo, da água e a oferta de polinizadores. Ou seja, os “serviços” que a floresta oferece ajudam a melhorar e a reduzir custos de produção.

Aldo Rebelo e muitos outros congressistas não conseguem enxergar que o próprio agronegócio é diretamente dependente da rica biodiversidade brasileira e dos serviços ambientais que ela nos oferece: solo, água, polinizadores, regulação do clima, controle das inundações, de doenças e pragas, e assim por diante. E quanto menos floresta, menores são as garantias de que a natureza vai continuar nos oferecendo esses serviços, fazendo com que, a longo prazo, a pujança desse mesmo agronegócio que eles defendem hoje, tenda a entrar em colapso no futuro.

O deputado menciona que “o Brasil perdeu mais de 23 milhões de hectares de agricultura e pecuária, em dez anos, para unidades de conservação, terras indígenas e expansão urbana”. Curiosamente, ele escreve isso no mesmo mês em que o Programa das Nações Unidas lançou um estudo dizendo que as 700 unidades de conservação brasileiras podem render ao país cerca de R$ 6 bilhões por ano, se forem bem implementadas. Qual negócio pode ser mais interessante para o Brasil?

Não podemos ainda ficar paralisados no discurso de que aos países desenvolvidos pouco importa o tamanho da nossa Reserva Legal ou da “metragem” da mata ciliar – como mencionou o deputado em seu artigo. Os países desenvolvidos não têm e nem nunca tiveram a riqueza biológica que um país “megadiverso” como o Brasil detém. A responsabilidade de pensar em um modelo de desenvolvimento econômico que valorize o agronegócio e outras atividades que respeitem o nosso patrimônio natural, que é a nossa maior fonte de riqueza, é nossa.

Anistiar quem desmatou, permitir o avanço do desmatamento sobre áreas sensíveis e diminuir a cobertura florestal das propriedades agrícolas significa não enxergar o verdadeiro valor e o potencial do nosso imenso patrimônio natural. Falta ao agronegócio a ousadia de buscar, investir e implantar técnicas para aumentar a produtividade e diminuir a demanda por novos desmatamentos.

Espero que a sociedade brasileira tenha um olhar mais sensível do que tiveram os nossos deputados para tratar dessa questão. Espero que a nossa sociedade se mobilize, se informe, se indigne e ajude a influenciar as próximas etapas desse processo!

* Erika Guimarães é bióloga, consultora na área ambiental, mãe do Théo, que tem dois anos e anda bastante preocupada com a possibilidade de o seu filho crescer sem poder conhecer o que é uma floresta…

** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.

(Agência Carta Maior)

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